O Direito brasileiro adotou o sistema ou modelo multiportas, o qual possibilita a tendência ao redirecionamento de procedimentos para o ambiente extrajudicial, oferecendo alternativas à solução dos conflitos que não se restringem ao Poder Judiciário.
A cultura do litígio se instaurou de tal forma em nossa sociedade brasileira que traçou um enraizado perfil comportamental muito característico nos indivíduos. Tal cenário, com o passar do tempo, acabou por abarrotar o nosso Judiciário de demandas. Sobrecarregou-se suas funcionalidades e se contribuiu para tornar este maquinário cada vez mais moroso e muitas vezes ineficiente para os fins realmente pretendidos.
Ciente dessa realidade, o Direito brasileiro passou a adotar o sistema ou modelo multiportas. Trata-se da existência de múltiplas possibilidades para o redirecionamento de procedimentos para o ambiente extrajudicial, de formas legítimas e reconhecidas por lei. Assim, há essa tendência de se oferecer primeiro as alternativas a solução dos conflitos que não se restringem ao Poder Judiciário, ao que este deve ser a ultima ratio.
Em paralelo, também são inúmeras as iniciativas existentes para promover e incentivar a reeducação da população brasileira, promovendo aos poucos a destruição da chamada “cultura do litígio”. O objetivo é transformar e renovar a nossa forma de lidar com conflitos enquanto coletivo, levando-se ao conhecimento das pessoas as múltiplas alternativas que existem para promover solução de conflitos. Com isso, busca-se não somente desafogar o Poder Judiciário, mas também resgatar as noções de autorresponsabilidade dos indivíduos na condução e resolução de seus próprios conflitos.
Tem-se a tônica da atual construção coletiva do entendimento de que a justiça não se restringe ao acesso ao Judiciário. Daí o termo “desjudicialização”, enquanto estímulo a resolução consensual através dos métodos alternativos que podem trazer soluções mais céleres e inclusive mais efetivas, direcionados a cada caso. É a atividade extrajudicial voltada à construção do consenso.
Alguns exemplos de caminhos da desjudicialização:
1. Agências reguladoras
Pessoas jurídicas de direito público interno, geralmente constituída sob a forma de autarquia especial ou outro ente da administração indireta. São destinadas a regular, controlar e fiscalizar as atividades de determinados setores da economia de um país, visando a boa execução de serviços públicos transferidos para o setor privado por intermédio de concessões, permissões etc.
2. Procon
Órgão do Poder Executivo municipal ou estadual destinado à proteção e defesa dos direitos e interesses dos consumidores.
3. Conciliação + Mediação extrajudicial (faz-se a diferenciação porque existe a mediação judicial) + Arbitragem + Negociação e ODR (On-line Dispute Resolution)
4. Cartórios Extrajudiciais
Existem poucos Cartórios no Brasil habilitados para fazer conciliação e mediação, mas é uma possibilidade.
Alguns exemplos de medidas de desjudicialização:
1. Protesto de títulos extrajudiciais e judiciais, com a inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes (vide artigos 517 e 782, § 3 do CPC/15). Pode-se até mesmo evitar passar por uma execução judicial apenas fazendo isso.
2. Uma outra via de desjudicialização é a produção antecipada de provas para evitar uma demanda (vide o artigo 381 do CPC/15). Acerca da produção extrajudicial de provas ao se antecipar uma demanda, a doutrina ainda é resistente, mas se a as partes consentirem trata-se de uma possibilidade muito viável. Vide a ata notarial utilizada com esse propósito.
3. O pacto antenupcial inserido no contexto do planejamento matrimonial, antecedendo o casamento.
4. Os inventários e as partilhas consensuais (artigo 610, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil - instituído pela Lei Federal n. 13.105/2015).
5. O divórcio e a extinção de união estável consensuais extrajudiciais (artigo 733 do Código de Processo Civil - instituído pela Lei Federal n. 13.105/2015).
6. Usucapião na via extrajudicial (Lei n. 13.105/2015 que alterou a Lei de Registros Públicos, Lei 6.015/1973, e incluiu o artigo 216-A).
7. Adjudicação compulsória extrajudicial por ambos os polos de uma compra e venda ou promessa de compra e venda (Lei n. 14.382/2022 que alterou a Lei de Registros Públicos, Lei 6.015/1973, e incluiu o artigo 216-B).
Fato é que existem vários procedimentos extrajudiciais nas Serventias, cuja participação do advogado é obrigatória ou mesmo opcional. Porém, é sabido que muitas vezes a parte interessada ou necessitada não domina a técnica necessária para tanto. Sendo assim, é prudente ao menos uma consulta jurídica ou estudo prévio junto a um advogado enquanto profissional da área e especialista no assunto.
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